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Boletim Informativo Nº 59
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MANEJO DA TROMBOSE CORONARIANA: UMA ANÁLISE DAS ETIOLOGIAS E ESTRATÉGIAS ANTITROMBÓTICAS

Dr Antonione Lamartini

 

A trombose intracoronariana é um evento crítico envolvido nas síndromes coronarianas agudas (SCAs), incluindo o infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (STEMI) e sem elevação do segmento ST (NSTEMI), bem como a angina instável¹⁶¹⁵.

 

Em alguns casos, com alta carga trombótica, o cenário é desafiador, uma vez que altera o fluxo e microcirculação coronariana, dificultando a definição etiológica e a realização de angioplastia com stent15,¹⁸,¹⁹.

 

MECANISMOS DA TROMBOSE CORONARIANA AGUDA

 

A trombose coronariana aguda, associada as síndromes coronarianas agudas (SCA), resulta primariamente da ruptura ou erosão de placas ateroscleróticas¹⁶.

 

No entanto, existem outros mecanismos fisiopatológicos, menos frequentes, que podem levar à formação de trombos nas artérias coronárias.

Os principais mecanismos incluem:

 

 

1. Ruptura de Placa Aterosclerótica: Este é o mecanismo mais comum de trombose coronariana aguda, especialmente no infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (STEMI), sendo responsável por aproximadamente 60-75% dos casos¹⁶. Ocorre quando uma placa aterosclerótica instável, geralmente rica em lipídios (fibroateroma de capa fina), sofre um rompimento de sua capa fibrosa.

A ruptura expõe o núcleo lipídico necrótico e o colágeno da matriz extracelular ao sangue, liberando o fator de von Willebrand (FvW) das células endoteliais danificadas⁶¹⁷.

Isso desencadeia a ativação e agregação plaquetária. Estas por sua vez ligam-se ao FvW exposto através do complexo glicoproteína e ao colágeno, resultando na ativação plaquetária.

As plaquetas ativadas liberam tromboxano A2 e ADP, gerando trombina, o que ativa as plaquetas e facilita a agregação plaquetária via receptores GP IIb/IIIa¹⁸.

A expressão do fator tecidual após a lesão vascular ativa a cascata de coagulação, gerando trombina e fibrina, que forma a espinha dorsal do trombo em evolução¹⁸.

A ruptura da placa pode ser desencadeada por mecanismos inflamatórios e não inflamatórios¹⁶. A inflamação envolve o acúmulo de macrófagos, afilamento da capa fibrosa e desequilíbrio entre enzimas degradadoras da matriz extracelular (como metaloproteinases de matriz - MMPs e catepsinas) e seus inibidores⁶. Cristais de colesterol podem co-estimular, ativando interleucinas pró-inflamatórias⁶.

 

2. Erosão de Placa Aterosclerótica:

 

A erosão é a segunda causa mais comum de SCA, respondendo por até um terço dos casos, com maior proporção em infartos sem elevação do segmento ST (NSTEMI)¹⁶. Nesse mecanismo, a capa fibrosa da placa permanece intacta, mas há lesão das células endoteliais (desescamação), expondo o colágeno subendotelial e o conteúdo da matriz extracelular⁶. Geralmente ocorre em lesões ricas em proteoglicanos e glicosaminoglicanos, com pouco ou nenhum núcleo lipídico⁶.

A desescamação endotelial é seguida por ativação local de plaquetas e neutrófilos, liberação de traps extracelulares de neutrófilos (NETs) e formação de trombo rico em plaquetas no local da denudação intimal⁶.

O estresse de cisalhamento endotelial (ESS) perturbado, especialmente em bifurcações, contribui para a expressão de TLR-2, que está implicado em mais lesão endotelial. A mieloperoxidase (MPO), uma enzima elevada em pacientes com erosão de placa, promove a morte e desescamação das células endoteliais⁶.

 

 

3. Embolia Coronariana (EC)

 

A trombose pode ser causada por mecanismo cardioembolico, diretamente para leito coronariano. É uma causa de Síndrome Coronariana Aguda, com uma prevalência em pacientes com fibrilação atrial (FA)⁸.

Em pacientes com FA e SCA dois terços apresentaram um padrão angiográfico característico com oclusão coronariana distal predominante.

 

4. Dissecção Espontânea da Artéria Coronária (SCAD)

 

Caracteriza-se por uma laceração súbita do endotélio da artéria coronária, levando a formação de um hematoma intramural que comprime o lúmen verdadeiro, impedindo o fluxo sanguíneo miocárdico e causando isquemia¹. É mais comum em mulheres jovens e pode ser precipitada por arteriopatias subjacentes ou estressores físicos/emocionais.

 

5. Espasmo Coronariano

 

Em casos raros, um vasoespasmo coronariano grave pode afetar múltiplos vasos simultaneamente, levando à isquemia e trombose. Pode ser desencadeado por uso de drogas recreativas como a cocaína⁵.

 

CONDIÇÕES CLÍNICAS ASSOCIADAS A TROMBOSE INTRACORONARIANA

Existem ainda condições clínicas associadas a trombose coronariana, principalmente em pacientes jovens e na ausência de fatores de risco ateroscleróticos tradicionais:

 

1. Trombocitopenia Induzida por Heparina (TIH): É um fenômeno imunomediado raro, no qual anticorpos são formados contra o complexo heparina/fator plaquetário 4 (PF4), ativando as plaquetas e levando à formação de trombos². Pode ocorrer com heparina de baixo peso molecular (HBPM), embora seja mais comum com heparina não fracionada (HNF).

 

2. COVID-19: A infecção por SARS-CoV-2 está associada a um estado de hipercoagulabilidade e lesão endotelial, que pode resultar em trombose coronariana extensa e multiarterial, mesmo na ausência de doença aterosclerótica¹⁰¹³.

 

3. Síndrome Antifosfolipíde (SAF): Uma doença autoimune sistêmica caracterizada por eventos tromboembólicos arteriais e venosos recorrentes. O IAM secundário à trombose coronariana in situ pode ser a primeira manifestação da SAF, especialmente em mulheres jovens⁷¹⁶.

 

4. Doença de Behçet (DB): Uma vasculite sistêmica que raramente afeta as artérias coronárias, mas as complicações podem ser fatais. A trombose coronariana na DB pode ser causada por vasculite ou um estado de hipercoagulabilidade¹²²⁰.

 

5. Doença de Kawasaki (DK): Uma vasculite pediátrica que pode levar à formação de aneurismas coronarianos gigantes, que representam um alto risco de trombose, isquemia miocárdica e morte súbita em crianças⁹¹⁴.

 

DIAGNÓSTICO INVASIVO

 

Achados no Cateterismo Esquerdo 

No contexto de Síndrome Coronariana Aguda, a cineangiocoronariografia é ferramenta imprescindível no diagnóstico¹,¹⁵.

Além disso, juntamente à cineangiocoronariografia, a imagem intravascular, como o ultrassom intravascular (IVUS) e a tomografia de coerência óptica (OCT) são ferramentas cada vez mais valiosas para caracterizar a morfologia da placa (ruptura vs erosão) e a definição da carga trombótica, auxiliando na decisão terapêutica²³.

 

No caso da cineangiocoronariografia, os achados são diversos:

 

 

- Oclusão Completa ou Subtotal: Frequentemente com fluxo TIMI 0 (Thrombolysis in Myocardial Infarction) na artéria afetada, sendo comum na artéria descendente anterior esquerda (LAD) ou na artéria coronária direita (RCA).

- Trombose Multi-vaso: Observada em casos de TIH, COVID-19 ou síndromes raras. Em pacientes com COVID-19, pode haver trombose extensa e multivaso, mesmo sem placas ateroscleróticas subjacentes¹⁰,¹².

- Trombose in-situ: Na SAF, pode haver trombose in-situ sem evidência de doença aterosclerótica subjacente⁷,¹⁶.

- Aneurismas Coronarianos com Trombos: Comuns na Doença de Kawasaki⁹,¹⁴.

- "Síndrome do Infarto Duplo Mortal": Uma condição extremamente rara de trombose simultânea em duas artérias coronárias, com a combinação LAD e RCA sendo a mais frequentemente descrita⁴.

- Alta Carga Trombótica: Outro cenário bastante desafiador, uma vez que uma alta carga trombótica impossibilita a opacificação completa do lúmen pelo contraste, dificultando a visualização de possíveis placas ateroscleróticas²⁶.

 

ENTRETANTO, COMO TRATAR TROMBOSE CORONARIANA AGUDA NA ABORDAGEM PERCUTÂNEA DE URGÊNCIA?

HÁ ESPAÇO PARA DEFER-STENTING?

 

TRATAMENTO

 

O tratamento da trombose intracoronariana é complexo e deve ser individualizado, considerando a etiologia subjacente, o risco de sangramento e eventos isquêmicos do paciente. Inicialmente, deve-se seguir a abordagem geral para Síndromes Coronarianas Agudas (SCAs):

1. Reperfusão: A intervenção coronariana percutânea (PCI) primária é a estratégia de reperfusão preferida a ser realizada dentro de 120 minutos do diagnóstico por ECG¹¹⁵¹⁹.

2. O uso de dupla antiagregação plaquetária deve ser individualizada, mas é peça fundamental na SCA¹¹⁵.

3. A terapia fibrinolítica endovenosa (com agentes como alteplase ou tenecteplase) é uma alternativa se a PCI não puder ser realizada em tempo hábil, sendo administrada dentro de 10 minutos após o diagnóstico eletrocardiográfico¹,¹⁵.

 

Em condições de alta carga trombótica coronariana, o implante imediato de stent na artéria culpada é desafiador, uma vez que:

 

O implante imediato pode levar a:

 

- No-reflow (embolização para microcirculação), necessitando do uso de vasodilatadores coronarianos¹¹.

- Mal aposição e má expansão.

- Trombose precoce de stent por dificuldade de otimização dos resultados¹¹.

 

Ao adiar o implante, há possibilidade de:

 

- Reduzir o trombo com antitrombóticos.

- Melhorar a avaliação angiográfica/IVUS/OCT.

- Evitar geographic miss/spot stent, definindo melhor a visualização e extensão das lesões¹¹,15.

 

Desta forma, as opções disponíveis para o manejo do trombo podem ser categorizadas como aquelas que extraem ou dissolvem o trombo intracoronariano.

 

 

TERAPIA PERCUTÂNEA

 

Aspiração de Trombo:

A aspiração rotineira de trombo com cateteres específicos não é recomendada pelas diretrizes devido à falta de benefícios para desfechos duros e ao potencial aumento do risco de acidente vascular cerebral²⁴.

Entretanto, para grandes cargas trombóticas, a extração do trombo com trombectomia por aspiração manual é um dos tratamentos mais empregados15,²⁴.

Os ensaios iniciais de trombectomia por aspiração manual demonstraram melhora do fluxo TIMI, do grau de blush miocárdico e dos desfechos clínicos, entretanto, não demonstraram redução na mortalidade por todas as causas ou em eventos cardiovasculares15,²⁴.

 

TERAPIA FARMACOLÓGICA 

O uso de Inibidores GP IIb/IIIa IV e o uso de agentes fibrinolíticos intracoronários podem ser considerados como terapia adjuvante¹¹⁵¹⁹.

 

 

 

INIBIDORES DE GLICOPROTEÍNA IIB/IIIA (GPIIB/IIIA)

 

São uma classe de medicamentos antiplaquetários utilizada no tratamento da trombose intracoronariana. Eles atuam impedindo a agregação plaquetária, crucial na formação do trombo¹⁸.

Mecanismo de Ação: inibem competitivamente os receptores GPIIb/IIIa plaquetários, bloqueando o passo final comum da agregação plaqueta-plaqueta, fundamental após ruptura de placa aterosclerótica¹⁸.

Estudos clínicos: o uso de GPIIb/IIIa foi associado a melhores marcadores de reperfusão, incluindo resolução do segmento ST, grau de blush miocárdico e tamanho do infarto, além de redução de eventos isquêmicos a curto prazo¹⁸.

 

Entre os mais disponíveis:

- Tirofiban:

- Administrado por via intravenosa (IV).

- Deve ser diluído antes da administração:

1. Retire 50 mL de um frasco estéril de 250 mL de solução salina estéril a 0,9% ou de glicose a 5% em água e substitua por 50 mL de Cloridrato de Tirofibana solução concentrada (frasco de 50 mL) para obter a concentração de 50 microgramas/mL. Misture bem antes da administração.

2. Deve ser administrado por via intravenosa, em combinação com heparina, em bolus inicial de 10 microgramas/kg administrados durante 3 minutos e, a seguir, na velocidade de infusão de manutenção de 0,15 microgramas/kg/min.

 

A tabela a seguir é fornecida como guia para ajuste posológico com base no peso do paciente.

 

ANTICOAGULAÇÃO

 

A anticoagulação plena é frequentemente empregada para gerenciar a formação de trombos, especialmente em cenários de alta carga trombótica na SCA¹¹,15.

Em alguns casos, quando há grande carga trombótica residual que persiste apesar das técnicas realizadas previamente, o adiamento do implante de stent (defer-stent) com terapia antiplaquetária e antitrombótica intravenosa prolongada é uma estratégia alternativa para reduzir o risco de no-reflow e o tamanho da isquemia¹¹.

Estudos exploratórios demonstraram que a estratégia sem stent inicial é segura e viável para pacientes selecionados em SCA, mas com estenose não obstrutiva e hemodinâmica estável¹¹,15.

 

FIBRINOLÍTICOS INTRACORONARIANOS

 

Outra abordagem possível é o uso de fibrinolíticos intracoronarianos²⁶. Estudos com fibrinolíticos intracoronários têm se limitado a relatos de casos ou séries, ou a ensaios menores, sem dados recentes de ensaios randomizados, sendo raramente utilizados atualmente²⁶.

São geralmente reservados para situações em que há um trombo significativamente grande ou slow/no reflow, apesar das técnicas usuais de aspiração²⁶. Sendo assim, são usados como ferramenta de rescue para trombos gigantes. Apesar da melhora angiográfica, não há dados que demonstrem redução de desfechos duros²⁶. 

- Alteplase IC: 10–20 mg por infusão manual em 5–10 min, podendo ser administrado em alíquotas de 5 mg até o total de 20 mg²⁶.

CONCLUSÃO

A trombose coronariana permanece um dos maiores desafios no contexto das síndromes coronarianas agudas, dada a diversidade de mecanismos envolvidos e os achados angiográficos.

O diagnóstico invasivo é, aliado a técnicas de imagem intravascular, é fundamental para definir a etiologia e a carga trombótica.

Apesar de a ICP primária ser o tratamento de escolha, cenários de alta carga trombótica exigem abordagens individualizadas, incluindo defer-stenting, uso seletivo de trombectomia e agentes adjuvantes como inibidores de GP IIb/IIIa.

Apesar dos avanços, a decisão deve sempre considerar risco isquêmico e hemorrágico, reforçando a importância de uma abordagem individualizada em cada cenário.

 

REFERÊNCIAS

1. Byrne RA, Rossello X, Coughlan JJ, Barbato E, Berry C, Chieffo A, et al. 2023 ESC Guidelines for the management of acute coronary syndromes. Eur Heart J. 2023;44(38):3720–826. doi: 10.1093/eurheartj/ehad191.

2. Hein A, Wai SM. A Case Report of Native Coronary Artery Thrombosis With Heparin-Induced Thrombocytopenia. Cureus. 2023;15(5):e39220. doi: 10.7759/cureus.39220.

3. A Review of Coronary Artery Thrombosis. Curr Probl Cardiol. 2021;46:100744. https://doi.org/10.1016/j.cpcardiol.2020.100744.

4. Guarnieri G, Mele D, Briguglia D, Medda M, Conte E, Bartorelli A, Andreini D. A STEMI Complicated by Cardiogenic Shock Due to Simultaneous Acute Thrombosis of Two Coronary Vessels in the ‘Deadly Double Infarct Syndrome’: A Case Report and Discussion of Literature. J Clin Med. 2024;13(24):7511. doi: 10.3390/jcm13247511.

5. Morsy M, Fyyaz S, Olaru M, Marciniak M. A case of acute coronary syndrome secondary to cocaine-induced coronary thrombosis. Eur Heart J Case Rep. 2025.

6. Bhatt DL. Acute coronary syndromes mechanisms and challenges 2025. Eur Heart J. 2025. doi: 10.1093/eurheartj/ehaf289.

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