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ESTENOSE AÓRTICA

          A estenose aórtica é a doença valvar cardíaca mais comum. Sua prevalência aumenta com a idade, afetando aproximadamente 3% da população com idade superior a 75 anos. A substituição cirúrgica da valva aórtica é, há décadas, o tratamento de eleição para pacientes com estenose aórtica acentuada, determinando alívio dos sintomas e aumento da sobrevida.

Anualmente, aproximadamente duzentas mil cirurgias para substituição valvar aórtica são realizadas no mundo, entretanto, o risco cirúrgico aumenta expressivamente com o avançar da idade e com a associação de comorbidades, o que faz com que mais de um terço dos octogenários com estenose aórtica sintomática sejam recusados para a cirurgia. Nesses pacientes, a valvoplastia aórtica com cateter-balão determina uma melhora apenas temporária dos sintomas e do gradiente de pressão transvalvar, devido à alta incidência de reestenose, sendo indicada, atualmente, apenas excepcionalmente, como medida paliativa ou como ponte para o tratamento cirúrgico.

Esses achados estimularam o desenvolvimento de dispositivos para a substituição percutânea da valva aórtica. Em 2002, Alain Cribier realizou, com sucesso, o primeiro implante percutâneo, em seres humanos, de uma bioprótese valvar aórtica. Esta era composta de três folhetos de pericárdio porcino montados em um stent de aço inoxidável expansível por balão, e deu início a uma nova era da cardiologia intervencionista. Em 2004, Eberhard Grube e cols. implantaram, pela primeira vez, a prótese valvar aórtica CoreValve. Atualmente, novas gerações desses dois tipos de biopróteses, a Edwards-Sapien (Edwards Lifesciences, Irvine, Califórnia) e a CoreValve (CoreValve Inc., Irvine, Califórnia), encontram-se disponíveis para uso clínico e a experiência acumulada com seu emprego em pacientes com contra-indicação ou com alto risco cirúrgico indica que os resultados são bastante promissores.

O sistema CoreValve, em sua terceira geração, consiste de três folhetos de pericárdio porcino, montados e suturados em um stent autoexpansível de nitinol com 5 cm de comprimento. A parte inferior do stent tem grande força radial para afastar lateralmente os folhetos calcificados da valva aórtica nativa, evitar a retração elástica, minimizar a regurgitação perivalvar e fixar adequadamente a prótese na via de saída do ventrículo esquerdo. A parte média é onde se encontram suturados os folhetos, tendo menor diâmetro para evitar o comprometimento dos óstios coronarianos. Já a parte superior se expande para fixação na aorta ascendente e alinhamento da endoprótese, e a malha do stent é suficientemente aberta para permitir o acesso de cateteres aos óstios coronarianos, depois de implantada a bioprótese.

Para o implante, o stent e os folhetos da prótese são contraídos no interior de uma bainha de 18 F (6 mm) de diâmetro, permitindo que o procedimento seja realizado por acesso retrógrado, exclusivamente por punção arterial (artéria femoral). A prótese não pode ser reposicionada ou removida após a sua liberação, justificando uma pré-avaliação criteriosa por ecocardiograma e angiotomografia para a escolha da prótese mais adequada.

O sistema CoreValve encontra-se, atualmente, disponível nos tamanhos de 26 e 29 mm, para emprego em pacientes com anel valvar de 20 a 23 mm e de 24 a 27 mm, respectivamente. A prótese menor tem a válvula de 22 mm de diâmetro e a maior tem a válvula de 24 mm. É, hoje em dia, o único dispositivo aprovado pela ANVISA para substituição valvar aórtica percutânea.

A substituição percutânea da valva aórtica tornou-se realidade também em nosso meio. Estudos clínicos recentes demonstraram a exequibilidade, a segurança e a eficácia desse tipo de intervenção, com resultados, ainda que de curto e médio prazo, bastante animadores. Atualmente, por se tratar de uma modalidade terapêutica relativamente nova, a indicação da substituição percutânea da valva aórtica restringe-se a um seleto grupo de pacientes que, pela idade avançada ou por comorbidades, têm contra-indicação ou risco muito elevado para o tratamento cirúrgico convencional. Neles, a abordagem percutânea tem sucesso superior a 75% e pode oferecer mortalidade inferior àquela esperada com o tratamento cirúrgico.

Em uma publicação recente, Webb e cols. relataram mortalidade de 2% durante procedimento e de 8% aos 30 dias com a prótese de Cribier-Edwards, em comparação com os 30% previstos pelo EuroScore para a abordagem cirúrgica desses mesmos pacientes. Na experiência mais recente publicada por Grube, utilizando a CoreValve, a mortalidade foi de 6% no procedimento e de 12% aos 30 dias, bastante inferior aos 21,7% previstos para o tratamento cirúrgico. Outras complicações, como acidente vascular cerebral (2,8% a 10%) e tamponamento cardíaco (2% a 7%) foram relativamente frequentes nessas casuísticas de altíssimo risco. Entretanto, a superação da curva de aprendizado do método e a melhora progressiva dos dispositivos, tende a reduzir sua ocorrência e elevar as taxas de sucesso da intervenção. Acredita-se também que o emprego da antiagregação plaquetária dupla pode reduzir a ocorrência de acidente vascular cerebral durante e após a intervenção.

A eficácia das biopróteses Edwards-Sapien e CoreValve é incontestável, ao menos no que diz respeito aos resultados de médio prazo. Logo após o implante, nota-se a ampliação da área valvar e a queda significativa do gradiente de pressão transvalvar aórtico. Essa melhora hemodinâmica precoce se reflete, rapidamente, na melhora da sintomatologia de insuficiência cardíaca congestiva dos pacientes tratados. Durante a evolução, nota-se também a melhora da fração de ejeção e a redução da hipertrofia do ventrículo esquerdo.

A presença de regurgitação aórtica perivalvar é relativamente frequente após o implante das biopróteses, sendo, na maioria das vezes, de discreta ou, no máximo, de moderada intensidade. Em geral, é muito bem tolerada clinicamente. Nos casos em que existe insuficiência aórtica significativa após o implante da CoreValve, pode-se lançar mão de dilatações da prótese com balões de maior diâmetro para sua melhor adaptação junto ao anel valvar. Entretanto, a natureza auto-expansível da prótese faz com que exista uma acomodação e redução da intensidade da regurgitação nos primeiros meses após o implante.

A despeito desses resultados preliminares animadores, a substituição percutânea da valva aórtica não pode ser considerada, pelo menos atualmente, uma alternativa para o tratamento de pacientes com estenose aórtica de baixo risco cirúrgico. Sua durabilidade e eficácia de longo prazo ainda precisam ser provadas e somente a realização de estudos controlados permitirá a ampliação progressiva de suas indicações.

 

 

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