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Infarto agudo do miocárdio como uma complicação da COVID-19

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Camila de Lyra Matos 

 

Resumo

 

A COVID-19 despertou interesse de cardiologistas e intensivistas visto que o infarto agudo do miocárdio está amplamente presente na maioria dos casos, sendo o diagnóstico mais frequente de complicações dessa doença. Diante disso, este trabalho tem por objetivo fazer um apanhado na literatura sobre a relação da Covid-19 com o infarto do miocárdio, e atuação do vírus no organismo. Trata-se de uma revisão bibliográfica do tipo narrativa. A relação entre injúria miocárdica e a COVID-19 tem sido bem estabelecida na literatura, visto que o vírus tem grande afinidade pelos receptores da enzima conversora de angiotensina 2, que ao se ligarem promove um nova regulação da enzima, ocasionado alterações no sistema renina-angiotensina-aldosterona, levando a efeitos cardiovasculares. Com base nos achados verificou-se que a relação entre o IAM e o COVID-19 é marcado pela presença elevada dos níveis de troponina, além de outros biomarcadores, inclusive inflamatórios. Dessa forma, fica evidente que a compreensão dessa relação é muito importante e necessária para que haja uma atuação adequada a fim de que evitar desfechos piores.

 

Palavras-chaves: COVID-19. Infarto do Miocárdio. Biomarcadores. Efeitos Cardiovasculares.

 

Introdução

 

Em dezembro de 2019 houve uma explosão de casos de uma pneumonia causada por um novo coronavírus, na China, e que se disseminou pelo mundo em 2020,  cujo agente causador da doença foi denominado oficialmente como COVID-19. Esta doença afeta pulmões e outros sistemas (ZU et al., 2020; GHINAI et al., 2020).

Os principais sinais observados na maior parte dos casos incluem febre, fadiga, tosse seca, e principalmente a falta de ar. No entanto, apesar de haver poucas evidências cientificas por ser um vírus novo, tem se observado que a COVID-19 exerce efeitos sobre o sistema cardiovascular, uma vez que há relatos de arritmias, lesão cardíaca aguda, taquicardia e uma alta taxa de doença cardiovascular simultaneamente a infecção do vírus, uma dessas complicações é o infarto agudo do miocárdio, causa da maioria dos óbitos pela COVID-19 (CHAN et al., 2020; AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY, 2020).

Segundo Yang et al. (2020) a lesão cardíaca aguda estava presente em 7,2% dos pacientes, dessa forma tem-se o entendimento que a Covid-19 aumenta os danos no miocárdio, decorrente da infecção. Diante disso, este trabalho tem por objetivo fazer um apanhado na literatura sobre a relação da Covid-19 com o infarto do miocárdio, e atuação do vírus no organismo.

 

Metodologia

 

A proposta desde estudo foi a realização de uma revisão bibliográfica do tipo narrativa, cuja busca foi realizada na base de dados do PubMed, em que foram identificados artigos que discutiam acerca das manifestações cardiovasculares, em especial o infarto do miocárdio como uma complicação em pacientes acometidos pela Covid-19.

 

Covid-19 e a lesão miocárdica

 

            Sabe-se que para o diagnóstico de Infarto Agudo do Miocárdio é necessário analisar as taxas dos chamados biomarcadores cardíacos. Nesse sentido, estudos tem mostrado biomarcadores cardíacos elevados em pacientes com COVID-19. Guan et al. (2020) observaram em seu estudo que em torno de 12% dos pacientes que não possuíam nenhuma doença cardiovascular apresentaram níveis elevados de troponina, um dos biomarcadores cardíacos, cujo resultado foi a parada cardíaca, fato que despertou o interesse de cardiologistas e intensivitas para os mecanismos fisiopatológicos do vírus.

Outro estudo que tem apontado essa relação é de Huang et al. (2020), que verificaram que a lesão do miocárdio foi associada a SARC-Cov-2 em 5 dos primeiros 41 casos de COVID-19 na cidade de Wuhan, devido aos níveis elevados de troponina cardíaca I de alta sensibilidade > 28 pg/ml. A presença de troponina elevada esteve associada com maior mortalidade, uma vez que níveis de troponina I de alta sensibilidade acima do percentil 99, presente em 19,7% dos pacientes que tiveram injúria miocárdica (SHI et al., 2020).

Convém mencionar que a injúria miocárdica esteve presente em todos os pacientes, porém aqueles que são hipertensos tiveram quadro mais grave de injúria miocárdica (SHI et al., 2020). Um ponto observado pelos autores é que as maiores taxas de mortalidade estava entre os pacientes com injúria miocárdica.

            Estudos tem revelado que o COVID-19 utiliza os receptores da enzima conversora da angiotensina (ECA) para penetrar nas células. A SARS-CoV-2 liga sua proteína spike ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2), presente de forma expressa nos pulmões, principalmente nas células alveolares do tipo II, que ao ser ativada tem-se o inicio da infecção nos pulmões e também no coração, sendo responsável pela neutralização dos efeitos da angiotensina II (ZHEN et al., 2020).

Porém, apesar de poucas evidências, essa ligação da SARS-CoV-19 ao ECA-2 ocasiona o dowregulation da enzima, e isso determina que haja o aumento dos níveis de angiotensina II, podendo levar a efeitos deletérios do sistema renina-angiotensina-aldosterona, e como efeito tem-se a vaso constrição, alteração de permeabilidade vascular, a remodelagem miocárdica e injúria pulmonar aguda (HOFFMAN et al.2020; COSTA et al., 2020).

Com base nisso, muitos tem afirmado que o uso dos inibidores de ECA e bloqueadores de receptores de angiotensina possam aumentar esses receptores, o que facilita a entrada do vírus na célula. Porém não existe nada comprovado cientificamente dessa relação, para a piora da doença. Além disso, esses fármacos são importantes e necessários para o controle do sistema renina-angiotensina (ZHEN et al., 2020).

Convém mencionar que além do aumento da troponina, estudos tem revelado também a elevação de outros biomarcadores inflamatórios, como dímero D, ferritina, interleucina-6 [IL-6], desidrogenase lactato, o que leva ao aumento de citocinas e linfohistiocitose hematofagocítica secundária, relacionando a lesão cardíaca a uma resposta inflamatória sistêmica e intensa, resultando em complicações graves e prognósticos piores (QIN et al., 2020; ZHOU et al., 2020). Dessa forma, Stanzani, Duchen e Singer (2019) afirmam que as alterações sistêmicas ocasionadas pelo níveis elevados de citocinas e pela desregulação imunológica, estão envolvidos na lesão miocárdica e consequentemente na ocorrência de formas mais graves de COVID-19 como o Infarto Agudo do Miocárdio.

Entretanto, vale enfatizar que, a lesão miocárdica, embora prevalente, segundo Lala et al. (2020), mantém-se em níveis baixos nos casos de COVID-19 agudos, e piores desfechos nos pacientes que tem associação a doenças cardiovasculares.

 

Considerações Finais

 

            O coronavírus apesar de causar prioritariamente infecções respiratórias, observou-se que o COVID-19 se apresenta como uma forma mais grave, visto que pelo seu mecanismo de ação, se liga a enzima ECA-2, levando a inúmeras alterações cardiovasculares, podendo resultar no Infarto Agudo do Miocárdio. Por essa razão, a compreensão dessa relação com as lesões miocárdicas é muito importante e necessário, visto que há os piores desfechos.

 

 

REFERÊNCIAS

 

AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY. Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Provides Potent Reminder of the Risk of Infectious Agents [Internet], 2020. Disponível em: <https://www.acc.org/latest-incardiology/articles/2020/03/01/08/42/feature-coronavirus-disease-2019covid-19-provides-potent-reminder-of-the-risk-of-infectious-agents>.

 

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